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FILME NKWAMA DE GIGLIOLA NO FESTIVAL CENA

Kwama é um termo de língua xangana e rhonga faladas no sul de Moçambique, nas regiões de Gaza e Maputo, designando plástico.  E plástico é entendido como um elemento que desafia o equilíbrio do meio ambiente à escala global, Moçambique não sendo excepção, até porque no país está em processo gradual para o seu  banimento.  Mas se o plástico está em processo de banimento em Moçambique, há quem lhe é útil para seu sustento. É assim que Gigliola Zacara decidiu contar a estória de uma mulher, no limiar da pobreza, mas que procura sustentar sua família. Esta mulher entra por assim dizer no ciclo de vida do plástico para garantir seu sustento. Frequenta então um aterro sanitário para catar plásticos com seu filho para revender a casas de reciclagem.

Os quadros do filme tornam visível o drama da pobreza e a luta empreendida pela mulher, mal compreendida pelo marido. Ao mesmo tempo que os quadro tornam visível um drama também tem uma visualidade forte, harmonizando perfeitamente a necessidade da nossa personagem, seus obstáculos e os ambientes cenográficos, numa narrativa contada de forma documental. O drama em si é ténue ou leve, dando simplicidade quase ingénua. Mas é justamente isso que torna a história de Kwama interessante.

É pois este filme que leva a criatividade de Gigliola Zacara ao festival de CENA dedicado a filmes dirigido por mulheres.

No âmbito do mês da mulher, que é Março, é reservado para mulheres de Cabo Verde e os PALOPs, e segue este ano para sua segunda edição.

O festival realizar-se-a em formato online na página do facebook do CENA, nos dias 27 e 28 de Março. Este ano o festival conta com mulheres realizadoras de Cabo verde, Moçambique e São Tomé e Príncipe. A mostra de filmes vai acompanhada por conversas online sobre a mulher no cinema.

GIGLIOLA ZACARA  E SEU PERCURSO NO CINEMA

Gigliola Zacara iniciou-se no cinema como atriz em 2005, estudou representação para teatro, cinema e televisão em Moçambique, Brasil e Angola, conta com participações em aproximadamente quinze (15) filmes, produções nacionais e internacionais. Seus destaques como actriz no cinema vão para os filmes “O jardim do outro homem”, de Sol de Carvalho, que lhe garantiu a nomeação para a categoria de Melhor actriz principal, no Festival Cineport 2007, no Brasil, “Traídos pela Traição”, de Mickey Fonseca e Pipas Forjaz, “Quero ser uma estrela”, de José Carlos de Oliveira, “Mosquito”, de João Pinto Nuno e o mais recente “Resgate”, de Mickey Fonseca e Pipas Forjaz.

Foi em 2007 que começou a fazer a sua transição para aprender como se trabalha atrás das câmeras, quando surgiram as primeiras oportunidades de se formar como produtora e realizadora, participando em oficinas de formação em cinema em Angola, onde participa na Formação em Técnicas de Produção, Formação em Produção de Documentários e Formação em Argumentos de Ficção e Documentários a quando da sua ida ao FIC LUANDA (Angola), em Moçambique fez a Formação em Técnicas de Interpretação e Captação de Imagem, Formação em Técnicas de Edição de Imagem e Formação e Estágio em representação para Cinema, Televisão e Teatro através Projecto Olhar Artístico, uma iniciativa da AMOCINE – Associação Moçambicana de Cineastas.

Em 2019 começa a fazer as suas primeiras produções fazendo spots promocionais, vídeos de teatro e dança, filmes documentários institucionais para finalmente em 2020 lançar o seu primeiro filme de ficção curta-metragem, intitulado NKWAMA, que lhe garantiu duas premiações para o 1° Lugar para o Prémio Público e 2° Lugar para o Melhor Curta Metragem, no 4° Concurso de Curta-metragem CCMA.

 

Mbuta, Dança Tradicional Misteriosa Desaparecida

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Dança Tradicional de Moçambique
MBUTA

Desde os tempos mais idos dos nossos ancestrais que a dança era praticada nas zonas rurais da província de Inhambane. Só mulheres, anciâs e iniciadas nos mistérios da espiritualidade dentro da comunidade podiam dançar.

“Mbuta era uma cerimónia constituída de diversos rituais, e a dança era uma delas parte mais visível”. Explica-nos Augusto Cumbane, mais conhecido por Spik, 85 anos de idade, nhwatilholo sediado no distrito de Jangamo, posto administrativo de Cumbane, povoado de Mbonguweni, expressando-se em gitonga, e acrescenta, “Era uma cerimonia que durava 2 dias. Iniciava-se na noite de um dia e terminava no inicio da noite do dia seguinte”.

Aurélia Nhapossa, de 73 anos de idade, uma nyanga sediada no distrito de Jangamo, povoado de Nhakuvo, expressando-se em gitonga explica-nos que a dança era praticada durante a noite até a madrugada nas ruas da comunidade para evocar aos espíritos e ao Nungungulo (Deus) para proteger a comunidade de desastres naturais, pragas e garantir a chuva e fertilidade dos solos. Na noite aprazada para a cerimónia havia um recolher obrigatório. As únicas pessoas que se deveriam achar nas ruas eram as mulheres que iriam dançar, e que nuas cantavam e dançavam, e tocavam batuques até ao amanhecer percorrendo as ruas até as extremidades da comunidade.

Já Joaquim Mafuaine, 79 anos de idade, nwatilholo, nascido no distrito de Homoíne e sediado na vila do distrito de Inharime, expressando-se em chitsua, exclareceu que a razão de se dançar nu tem a ver com a necessidade de injuriar o mal. “Portanto, insulta-se ou injuria-se o mal com a nudez”. A cerimónia era dirigida pelo líder local que era um régulo. Ao procurarmos saber como se processava a cerimónia, Joaquim Mafuiane explicou: “Depois de se evocar os espíritos em casa do líder ao entardecer, pela noite as mulheres saiam à rua para dançar nuas por onde fosse espaço da comunidade liderada por aquele régulo. Ao amanhecer saiam outras mulheres vestidas e entravam no mato a busca de plantas e tubérculos medicinais que eram incinerados numa panela de barro em casa do régulo produzindo assim um medicamento. Ao entardecer esse medicamento era entregue a um grupo de rapazes que saiam nus e pelos limites da povoação enterravam os medicamentos (gufumba litigu, que em tradução directa quer dizer amarar a terra). Regressados a casa do líder era o final da cerimonia”.

As fontes revelaram-nos que Mbuta cessou com a independência nacional, em 1975. Os líderes locais foram extintos e as práticas tradicionais foram proibidas.

Dança Tradicional de Moçambique
MBUTA Dança Tradicional

Vozes da Representação, Memórias do Teatro Moçambicano, Volume I

Benites Lucas José gosta e ama a arte de representar. Mas notou ausência de formas de memórias sobre seus fazedores, sobretudo na forma literária. Vai dai que embrenhou-se em pesquisas que duraram 3 anos, nos quais recolheu 42 depoimentos, escrevendo desta forma uma possível história do teatro moçambicano no seu primeiro volume para um intervalo de 51 anos, 1965 a 2016.

Benites encontrou as vozes da representação no Teatro Universitário de Moçambique, grupo criado em 1965, onde militaram Eunice Abreu e Ana Maria Branquinho; visitou o Grupo Cénico das FPLM, criado nas zonas libertadas do colono português onde militaram ilustres como Teodato Hungwana e Felício Zacarias, e nos dias que correm visitou diversos grupos onde encontrou actores e atrizes como Ana Magaia, Jaime Santos, Gilberto Mendes, Lucrécia Paco entre outros.

O objectivo da obra segundo o autor é registar a história do teatro nacional e divulgar as experiências desses intervenientes, criando desta forma um portifólio para que os investigadores e o público em geral possa ir lá buscar informação que achar útil.

O autor disse-nos ter sido um trabalho árduo, mas sente-se gratificado e encorajado a continuar. Explicou-nos que a I edição do livro de 500 exemplares encontrou uma boa receptividade por parte do público e tem sido procurado por diversos investigadores nacionais e estrangeiros preocupados em saber um pouco mais sobre o teatro moçambicano.

Vozes da Representação. Vol. I é acima de tudo uma forma dos moçambicanos dizerem o que deve ser feito com nossas memórias nas diversas áreas das nossas artes e cultura que muito carecem deste tipo de registos. Esperamos desta forma que o autor possa encontrar formas e meios para continuar sua missão no que diz respeito à preservação da memória cultural e artística desta pátria amada. Até porque só registando nossas memorias é possível valorizar e universalizar nossa cultura.

Resgate, Um Filme Para Ver e Rever!

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O filme emerge a partir de duas linhas narrativas. A primeira é a que segue as peripécias de um jovem caminhando por picadas e atalhos. Percebemos depois que ele está saindo de uma penitenciária onde cumprira uma pena. Quando chega a casa, uma mulher, Mia, exclama abraçando-lhe, e ficamos a saber que ele é casado, com uma filha de cerca de 1 ano, e chama-se Bruno. A segunda linha narrativa é contada por cenas rápidas e aparentemente isoladas umas das outras sobre o mundo do crime: Um homem, numa ruina abandonada, mata a tiro de pistola uma vítima que lhe suplica perdão e seu comparsa espalha sobre o corpo da vítima combustível e o queima; um outro homem cobra uma dívida a uma mulher na via pública e arranca-lhe a viatura. No curso das imagens e sons, montados de forma paralela com as do Bruno, as duas linhas narrativas se fundem numa única que se sustenta na mensagem chave de que o crime não compensa.

Resumindo o filme. Bruno, interpretado por Gil Alexandre, tem um passado criminoso que o levara à prisão por quatro anos. Agora quer recomeçar a vida de forma honesta ao lado da Mia, interpretada por Arlete Bombe, e a filha. No entanto o passado persegue-lhe. A casa onde vive está penhorada a um banco onde sua falecida mãe fora fazer um empréstimo para tentar salvar sua vida de um cancro, seu emprego precário não ajuda muito, e a pressão social dos antigos colegas do crime está constantemente presente. Bruno não resiste, as circunstâncias impelem-no para o mundo que quer tanto abandonar: o do crime.

Em Resgate, a moeda em circulação é o dólar. Pode causar algum desconforto para o moçambicano que tanto desejaria ver o Metical como símbolo identitário nacional a ser usado no filme. No entanto, para o realizador, Mickey Fonseca, na sua narrativa o dólar não é apenas uma moeda. Tem para ele uma utilidade poética. Se na poesia de José Craveirinha a magreza simboliza a pobreza, para Mickey Fonseca o dólar é um símbolo do crime. Duas cenas são relevantes para captarmos esta percepção: numa cena entre Bruno e a Mia, esta oferece ao marido uma nota (minuto 07:50). Não é uma nota de dólar. Não é dólar porque Mia é uma mulher batalhadora, humilde, defende a justiça. É interessante que em todas as cenas que a Mia olha para o dólar, olha-o com desprezo. A segunda cena envolve Bruno e uma vendedeira de frutas. Bruno oferece-lhe uma nota de 100 dólares aliciando-a para deixar a porta aberta da casa na qual iriam entrar para raptar o pai do Mussa (minuto 01:06:05). Na cena com a vendedeira Bruno diz a ela que aquela nota é de 100 dólares. “Vale 6.000”. Interessante notar que Bruno não diz que 100 dólares valem 6.000 Meticais. Diz penas que valem 6.000. É que para Mickey Fonseca o Metical não está ligado a falta de ética, de moral, enfim, à falta de educação. O Metical é uma moeda inocente no mundo do crime!

A fotografia soube fazer o levantamento cultural da cidade de Maputo, espaço do filme. A fotografia é caracterizada ainda por uma camêra participante na narrativa ao assumir um papel descritivo, seja de detalhes que despertam tensão, seja por pormenores de pura poesia imagética. A luz escreve a narrativa do Resgate tanto em ambientes exteriores como interiores oscilando entre o claro e escuro. Nas cenas de interiores, geralmente as personagens são fechadas como que a isolar-lhes com suas dúvidas, inseguranças, angústias e desesperos. É disso exemplo quando Mia, do lado exterior, bate a porta de casa (minuto 01:07:03). Bruno está lá dentro, mas não abre a porta. Ele está lá dentro trancado junto com seus problemas, as paredes, a pouca luz e as sombras lhe oprimindo.

A música dirigida por Milton Gulli e Nandele Maguni foi justa para o drama e emoções de cada cena.

Do ponto de vista de conteúdo Resgate é um filme urbano que apela à revolta pelas politicas públicas que impossibilitam a segurança humana: falta de oportunidades de formação, falta de emprego, falta habitação de qualidade, falta de justiça social, o que deixa os jovens como o Bruno sem alternativas em relação à fantasia da vida fácil proporcionado pelo mundo dos dólares, do crime.

Uma palavra de apreço vai para o elenco que soube viver os dilemas das personagens, suas viagens dramáticas e psicológicas. Arlete Bombe, interpretando Mia, foi enorme nesse aspecto. Uma vénia para ela. Uma vénia também para o produtor que soube apostar numa história e trabalhou para possibilitar que ela chegasse às telas!

Resgate na Netflix

O Tempo dos Leopardos

O Tempo dos Leopardos

A independência nacional fez nascer uma rica história do cinema moçambicano. Um cinema que foi ao encontro do cidadão ate ao mais recôndito canto do país. Informando-o, alfabetizando-o. Enfim, instruindo-o. Teve essa tarefa os kuxa kanema. Noticiários que eram projectados nas comunidades em telas. Tiveram o mérito também de construir a unidade nacional, mostrando aos moçambicanos o que uns e outros faziam. Foram também produzidos filmes de longa metragem, como o caso do tempo dos Leopardos. Nesta edição iniciamos uma série de entrevistas que vão nos contar o contexto da produção da primeira longa metragem moçambicana. A figura desta edição é nada mais nada menos que Machado da Graça. Ele que trabalhou no filme como actor e director de arte.

Começa por clarificar que o Tempo dos Leopardos foi efectivamente a primeira longa metragem de ficção no Moçambique independente. É verdade que Rui Guerra, já em 1978 realizou o filme Mueda, massacre e memoria. Mas esse filme não é propriamente ficção. É um documentário do género docudrama. Na verdade Rui Guerra deu origem ao género de cinema que hoje em dia Lucineo de Azevedo faz, quando realiza documentários.

Cara cultura – O que motivou a produção do filme O Tempo dos Leopardos?

Machado da Graça – O tempo dos leopardos foi uma decisão política do regime de então, de produção de um grande filme de exaltação da luta armada. Teve influencia da Jogoslavia que tinha uma grande experiencia de produção de filmes que exaltavam a resistenciajosgoslava contra o nazismo.Nao foi por acaso que se foi buscar uma equipa jogoslava para dirigir o filme.

CC – Como foi rodado o filme?

MG – As varias equipas técnicas eram dirigidas por Jugoslavos, mas em todas elas o numero dois era moçambicano. Apenas duas áreas eram dirigidas por moçambicanos, a produção e direção de arte. Essa área era dirigida por mim. Na altura não havia ninguém em Moçambique que entendesse de direção de arte, cenografia, adereços, etc, e eu tinha experiência de teatro. Tive que ser um moçambicano a dirigir essa área porque tinha necessidade de ser alguém com conhecimento da realidade, para contribuir no sentido de dar verossemelhanca as cenas.

CC – O filme foi rodado em 1984, período de grandes carências económicas. Terá sido fácil gerir a produção nesta área?

MG – De facto o filme foi produzido numa altura em que nao havia nada nas lojas para comprar. No entanto o governo estava muito interessado no filme de tal maneira que investiu bastante. De certeza que foram desviados recursos de outros sectores para que o filme fosse uma realidade.

CC – Quais foram as alocações do filme?

MG – A maior parte das cenas foram gravadas na ilha de Inhaca. Em teoria o filme passou-se em Cabo Delgado. Por essa razão procurou-se trabalhar ao nível da direção de arte para criar um contexto cultural e ambiental que lembrasse Cabo Delgado. Desde as roupas, a maneira de vestir, a forma como foram construídas as palhotas das populações, estc. A ilha da Xefina para a cena do assalto ao quartel e a Jugoslávia, para uma cena de interior foram outras locações do filme.

CC – Tem alguma recordação ligada ao sete de filmagem que tenha a ver com os actores?

MG – Facto interessante é que grande parte, senão a maior parte que fazia de actores que interpretaram militares portugueses tinham tido realmente uma vida militar portuguesa. Inclusive alguns tinham sido comandos. Portanto, tinham experiência real de combates. Durante as filmagens o passado militar deles vinha ao de cima a tal ponto de ao acabarem as filmagem um bom número deles ofereceu-se para fazer parte do exercito. E foram incorporados, numa altura em que o exército governamental combatia a RENAMO.

CC – Como se explica que o cinema tenha tido a queda que sofreu depois deste boom dos primeiros anos da independência?

MG – O cinema não era encarado como cultura, mas como propaganda, como um instrumento de propagação de ideias. Na altura não havia televisão. Aquilo que é hoje trabalho da televisão foi entregue ao cinema. O cinema era considerado um órgão de comunicação do que um instrumento cultural.

O nascimento da televisão mata o cinema. O cinema deixou de ser útil nessa sua função de órgão de comunicação porque passou a haver a televisão que tem outra dinâmica, outra velocidade. A comunicação que se fazia entre o governo e a população que antes se fazia pelo cinema passou a ser feita pela televisão com muito mais rapidez, muito mais eficácia e com muito mais resultados.

O tempo dos Leopardos
Filme o tempo dos Leopardos